O que a polêmica envolvendo o novo Assassin’s Creed pode nos ensinar

Assassin's Creed Shadows

A recente controvérsia envolvendo Yasuke, o protagonista do novo jogo da Ubisoft “Assassin’s Creed Shadows”, nos oferece uma oportunidade de refletir sobre questões de representação cultural, racismo e a natureza da narrativa histórica na mídia de entretenimento.

A escolha de Yasuke, um samurai africano do século XVI, como personagem central de um jogo ambientado no Japão feudal, gerou uma série de debates intensos e acalorados. Porém, ao analisar as reações e os argumentos de ambos os lados, podemos extrair lições valiosas sobre preconceito, interpretação histórica e a importância de contar histórias diversificadas.

Racismo disfarçado de crítica histórica

Em primeiro lugar, é inegável que alguns indivíduos estão utilizando a polêmica para propagar racismo de maneira disfarçada. A crítica à escolha de um protagonista negro em um jogo ambientado no Japão frequentemente se mistura a argumentos que, sob uma análise mais profunda, revelam preconceitos raciais enraizados.

A alegação de que Yasuke “não pertence” à narrativa do Japão feudal ignora o fato de que ele foi uma figura histórica real já embasada por historiadores sérios, cuja história é tão válida e digna de ser contada quanto qualquer outra. Essa resistência à inclusão muitas vezes esconde um desejo de manter a mídia de entretenimento dominada por representações culturais homogêneas e exclui experiências e narrativas que fogem do padrão eurocêntrico.

A flexibilidade histórica de Assassin’s Creed

A franquia “Assassin’s Creed” nunca foi conhecida por sua precisão histórica rigorosa. Desde o seu início, a série tem sido uma mistura de fatos históricos e ficção, utilizando eventos e figuras reais como base para criar narrativas emocionantes e envolventes.

A inclusão de elementos fictícios, como a luta entre Assassinos e Templários e os artefatos místicos conhecidos como Pedaços do Éden, mostra claramente que o objetivo dos jogos não é fornecer uma recriação fiel da história, mas sim oferecer uma experiência de entretenimento rica e imersiva. Portanto, a crítica de que a inclusão de Yasuke distorce a história é, em grande parte, infundada dentro do contexto da série.

A importância da história de Yasuke

Contar a história de Yasuke em “Assassin’s Creed Shadows” não é apenas uma oportunidade para diversificar os protagonistas dos jogos, mas também para explorar temas que a franquia nunca abordou de maneira significativa. Yasuke representa a interseção de culturas, a migração e a complexidade das identidades históricas.

Sua jornada, de um africano que se torna samurai no Japão, desafia narrativas simplistas e permite uma exploração mais profunda de questões como o preconceito, a adaptação cultural e a resiliência pessoal. Esses temas são relevantes não apenas no contexto histórico, mas também em nosso mundo contemporâneo, onde questões de identidade e representação continuam a ser centrais.

Reflexão filosófica sobre a resistência à mudança

A resistência à mudança e à inclusão que vemos em torno da controvérsia de Yasuke pode ser compreendida através de uma lente filosófica. O filósofo alemão Friedrich Nietzsche argumentou que os seres humanos tendem a resistir ao que é diferente e desconhecido, preferindo o conforto das normas estabelecidas e das tradições. Essa resistência pode ser vista como uma forma de “ressentimento”, onde os indivíduos projetam sua frustração e insegurança em grupos ou ideias que ameaçam seu senso de identidade cultural e social.

Ao mesmo tempo, a filosofia existencialista, particularmente através das obras de Jean-Paul Sartre, nos ensina que a identidade humana é fluida e construída através de nossas escolhas e interações. Aceitar e celebrar a diversidade é reconhecer a complexidade e a riqueza da experiência humana. Em vez de ver a inclusão de Yasuke como uma ameaça, podemos vê-la como uma oportunidade para expandir nossa compreensão do mundo e de nós mesmos.

Conclusão: Assassin’s Creed Shadows é muito necessário nos dias de hoje

A polêmica em torno de Yasuke no “Assassin’s Creed Shadows” é um reflexo das tensões maiores em nossa sociedade sobre representação, história e identidade. Ela nos ensina que é crucial questionar os motivos por trás das críticas e reconhecer quando o preconceito está disfarçado de preocupação com a precisão histórica.

Além disso, contar essa história destaca a importância de contos diversos e ricos que desafiam narrativas homogêneas e promovem uma compreensão mais ampla e inclusiva da experiência humana. Através da história de Yasuke, temos a oportunidade de explorar novos temas e perspectivas, enriquecendo não apenas a franquia “Assassin’s Creed”, mas também nossa cultura como um todo.

Se o jogo será bom ou não, isso veremos em breve, mas é fato que só por ter aberto essa discussão Assassin’s Creed Shadows é muito necessário nos dias de hoje, pois nos possibilita debater questões raciais que ainda são tabus em toda a comunidade gamer. Acerto da Ubisoft!

Autor: Luiz Ricardo de Barros Silva

Luiz Silva, jornalista de games formado pela Universidade Paulista. Já escreveu para as revistas da Tambor Digital (EGW, Gameworld), para o site Player 2 entre outras coisas. "Sou um entusiasta por videogames, apesar de jovem já tive até um Atari, minha série favorita é Silent Hill".

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