Do Leitor: Uma análise pragmática dos games

Por Maurício Piccini

Dizem que o Amor foi inventado por poeta medieval anônimo do século XII. Assim mesmo, inventado. Algum cantador com um alaúde debaixo do braço teve uma ideia tão melosa e atraente que se espalhou. E bagunçou com as vidas de todos.

Quantos filmes, novelas, contos, músicas e mesmo games têm um fundo nessa ideia? Resgatar a amada ou encontrá-la pela primeira vez; encontrar a roupa certa, o perfume certo, aquela palavra certa para salvar a princesa; tudo isso faz parte do imaginário ocidental. Mas para quê?

Foi só no final do século XIX que Charles Peirce propôs que, talvez, o significado das coisas esteja ligado aos resultados, não a nossas intenções e preconceitos. É o que chamamos “pragmática”. Nos estudos da linguagem, a pragmática trata da relação da estrutura das palavras e frases com o mundo. Na prática, qual o resultado do que eu digo? Ou seja, ao chamar um jogo de “joguinho”, não estou me referindo ao significado da palavra (jogo pequeno), mas a uma aplicação pejorativa que tenta diminuir a importância do jogo.

E se olharmos os jogos com os olhos da pragmática? O que um game faz? Como os videogames se relacionam com o mundo?

Temos várias respostas:

Jane McGonigal acredita que jogos nos fazem solucionar problemas. Quanto mais jogamos, melhor solucionamos problemas. Seus jogos tratam de problemas reais (falta de combustível, de comida ou de direitos). A palavra-chave para seus games é engajamento. A experiência de jogar pode e deve ser transformada em transformação da visão de mundo do jogador.

Jesse Schell entende os jogos como um estímulo à ação. Se colocarmos jogos em posições estratégias das nossas vidas, podemos tornar reais problemas que passam despercebidos. Uma plantinha virtual que sobrevive conforme fazemos manutenção nos nossos carros? Um sistema de pontuação para compra e reciclagem de sacolas plásticas? Ou que tal recebermos pontos de experiência ao assistirmos aulas no colégio ()?

Seth Priebatsch apresenta seu SCVNGR.com, uma versão game para o modelo de localização ao estilo foursquare. Para ele, jogos sociais são a evolução óbvia das redes sociais digitais da última década. Os games serão sistemas de recompensa criados em cima dessas redes.

Todas essas ideias nos dizem que jogos transformam. E nós, jogadores, somos os agentes dessas transformações. Não há uma força independente que nos une ou separa, nós somos a força. Então, qual dessas ideias será o novo Amor? Ou teremos uma outra ideia tão poderosa criada a partir dos jogos? O que dizem os jogos que estamos jogando?

GTA é sobre violência. Sempre. Nem importa de qual deles falamos mais. Roubar carros é simplesmente politicamente incorreto, e matar policiais, mafiosos e pedestres é uma experiência que não devemos ter. Nem virtualmente. Halo, CounterStrike, Call of Duty são jogos de tiro. A gente atira e alguém morre. MMOs são sobre bullying. Sem dúvida. Reunimos nossos amigos no World of WarCraft para matar outras pessoas – virtuais, mas ainda pessoas.

Mas o que fazem esses jogos? A habilidade principal para MMOs é formação de equipes. A segunda é gerenciamento de carreiras. E a terceira é gerenciamento de recursos. As empresas pedem isso de todos (todos!) os profissionais contratados. Precisamos trabalhar juntos, cada um de nós faz (e sabe fazer) apenas parte do trabalho. Depois passamos o trabalho para outro colega e pronto, retornamos a nossa linha de produção. Também precisamos pensar bem em quais conhecimentos adquirir, em que vamos treinar e como evoluir dentro da empresa. Se é que queremos continuar naquela (guilda!) empresa. E tudo isso economizando tempo, lápis, energia elétrica, comida, tinta de impressora, combustível, recursos humanos. E não me digam que nossa geração está aprendendo isso na faculdade. Estamos aprendendo nas famigeradas e imundas lan-houses. Entre bullychats e pornografia, claro.

Não me entendam mal. Livros são importantes. Mas livros tratam do inevitável. Livros tratam das verdades imutáveis do mundo. As transformações da narrativa literária ocorrem sem que possamos intervir. O Amor Literário é um conceito intocável – quem é o herege a dizer que Amor é uma ilusão?

Hoje – centenas de anos depois de aquele sujeito com o alaúde debaixo do braço – nossos filmes, novelas, romances, poemas e músicas carregam um pedaço dela. Mudamos nossas vidas, escolhemos onde morar, quais móveis são mais importantes, a que famílias nos unimos, com quem conversamos no dia-a-dia, que roupas vestir, que carreira podemos seguir. Quem nos contará que temos escolhas, que nossas ações no mundo causam efeitos muito maiores do que podemos enxergar? Ou melhor, será que o game já está entre nós, mas nós não o enxergamos?

Autor: Dolemes

David de Oliveira Lemes | @dolemes | Editor do GameReporter. Professor e consultor na área de educação e tecnologia.

5 comentários em “Do Leitor: Uma análise pragmática dos games”

  1. De fato uma analise profunda do resultado dos games no mundo "real" revela muitas coisa, além dos exemplos sitados, temos situações de grande significados em um mundo tecnologico e de comodidade como temos hoje. A prova do MMO é perfeita, afinal você inicia sua carreira com uma visão, e vai amadurecendo a partir disso dentro do mercado concorrido que temos hoje, o que ocorre nos jogos, deixe de treinar e veja se lhe sobra espaço no clã. Jogos de tiro requerem atenção, estratégia, entre outros. Assim como no livro "A arte da guerra", podemos usufluir dessas situaçõe num mundo moderno, os jogos após uma analise profundo, influem em MUITO na nossa forma de viver e encarar situações reais em nosso dia-a-dia.

  2. Há uns dias, alguém me disse ter tido a "brilhante" ideia de usar jogos no processo de seleção da empresa. Mandei ele assistir The Last Starfighter (O último guerreiro das estrelas, de 1984), um filme em que o herói era recrutado como artilheiro de uma frota espacial depois de demonstrar suas capacidades especiais jogando um videogame de "última geração" (para 1984, claro).

    Estamos circulando as mesmas ideias há décadas, mas ninguém faz nada a respeito.
    Talvez a massa leiga ainda ache tudo muito "ficção científica".

  3. Se dermos uma olhada através dos GAMES veremos que a vida real é muito parecida com eles, mas o que devemos fazer é olha da VIDA para os games, e veremos que os games são parecidos com a vida, mas não são iguais.
    Os games apenas tratam de algumas habilidades que desempenhamos aqui (VIDA REAL). Os jogos são como a Matrix ou o 13o Andar – apenas uma simulação. Quanto ao restante, concordo com vocês, os games podem ser mais usados na VIDA REAL para simularmos com as pessoas agiriam fora do jogo – como o caso do RH citado.

  4. post sensacional..
    mt legal a parte de ganhar experiência na escola….o conceito poderia ser extendido para gerar recompensar aos alunos……..aliais eu tenho um projeto nesta area….preciso que alguem que saque de programação e criação de site…qualquer coisa tou aew…danieltecrj@hotmail.com ! fui !

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